terça-feira, 6 de novembro de 2012

Rio selvagem



Desbravava um rio virgem de formas, com corredeiras desenhadas pelo destino. Era frio e selvagem. As águas corriam por entre pedras dolorosas, contundentes, sentidas pelos ossos. Já estava ali há bastante tempo, seguindo seu curso natural. Tinha em seus músculos a certeza de que um dia iria sucumbir ao cansaço. Persistia, no entanto. Era obstinado com a vida. Tinha a certeza de que era inevitável seguir em frente, mas que este seguir deixaria marcas para sempre.
Com suas cicatrizes, já tinha aprendido pela forma mais dura de sua existência que toda a sua dor, por algum motivo, havia se transformado em força. Era a única coisa que mantinha seu fôlego. Havia aprendido algo de destreza. Nadava agora antevendo aos perigos. Evitava confrontos, escolhia os caminhos menos tortuosos. Era hábil em evitar sua dor.
Em sua juventude seguia as corredeiras com obstinação. Queria chegar ao seu destino, o quanto antes. Mas agora, com a velhice em suas costas, com o corpo maculado, sabia que, por mais que nadasse, seu triunfo só se daria se ali, flutuando calmamente por sobre as águas, seguisse seu rumar. Do contrário, se mantivesse o mesmo caos em seu corpo obstinado, não restariam forças para chegar. Então, a partir de um certo momento em sua vida, aprendera também a apreciar os peixes, a mergulhar em águas mais calmas e observar a vida que ali também se fazia exuberante.
De tempos em tempos, punha-se a mirar as margens e seus bosques. Por vezes, dava-se o privilégio de ficar ali por sob o sol, vendo o seu rio passar. Pensava se um dia aquilo iria acabar, se o rio realmente viraria mar, se seria diferente, se veria outros tipos de peixe, se iria se adaptar.
Mas acima de tudo, sentia agora algo diferente: nunca mais veria o mesmo rio passar, por mais que tentasse voltar. Mirava em lágrimas os cortes em seus braços dos tempos em que lutava contra as águas, na esperança de um dia poder voltar... em vão...
Conformara-se com o seu destino, seu eterno nadar. Fluía agora calmamente na corrente de seus sonhos e para trás nunca mais precisou olhar.



Fernando Wolf

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