quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Visão de um solteiro sobre a vida de casado: primeiro ato

Num primeiro momento, sempre via que o ato de casar representava uma desistência frente ao cansaço à vida de solteiro. Achava portanto, homens casados, desertores de seu pelotão na batalha de uma vida a ser desbravada.

No entanto, algo em mim já desmerecia esse pensamento estereotipado. Uma frase de um professor de faculdade me veio à mente: Frente ao desconhecido, o ser humano tende a desqualificá-lo. É o que fazemos naturalmente, enquanto mentes desprevenidas. Olhamos a um com vestes mais extravagantes, já o enquadramos nos estereótipos mais vis por não olharmos um pouco além – o José amigo da Clara, que gosta de jogar futebol nos finais de semana e é gentil mesmo quando lhe ofendem. Afinal os padrões comportamentais mais fáceis nem sempre são os mais inteligentes. Vejam que submetendo a todos a estereótipos padrões, perdemos oportunidades de conhecer pessoas extremamente interessantes com vivências diferentes da nossa, limitamos o nosso aprendizado e crescimento.

Assim era eu com os casados. Mas tanto estando em relacionamentos ou estando fora deles, me angustiava ao vê-los ao lado de suas esposas “submetendo-se” a perder o “melhor” da festa. Por sorte aprendi que os outros podem ser belos espelhos de nossas almas. Havia algo de projetado de mim nos outros que me fazia sentir aquela angústia. Mas o que havia de ser?

Não achando respostas num primeiro momento, comecei a freqüentar festas e mais festa, acompanhadas de bebidas e euforias, sempre atrás de relacionamentos efêmeros que acalentassem a solidão que hora ou outra batia a minha porta – sempre acompanhado de companheiros de igual situação. Não entendia de onde vinha em mim a necessidade de uma eterna repetição de fatos e padrões comportamentais fúteis de caráter autodestrutivo. Era visível, quase que como uma droga, não me conseguia ver livre de atos que justamente me mantinham na superfície de meu eu. Obviamente havia um abismo a ser explorado.

Certa monta, estava eu em um jantar onde o público era diferente do que eu estava habituado, pois se tratava de homens feitos e não de jovens. Sentei-me então ao lado de um homem de seus quarenta e poucos anos e troquei assuntos levianos como de costume. O papo começou a aprofundar-se após a quarta taça de um Malbec argentino. Discorria sobre as minhas aventuras nos últimos tempos, de minha insatisfação com meus relacionamentos cada vez mais superficiais. Falava com orgulho de minhas investidas em terapias para autodesenvolvimento, para me preparar justamente às agruras da vida que me aguardavam. O homem me ouvia com atenção, como com olhos de um velho sábio. Via neste amigo uma empatia e ao mesmo tempo uma compreensão que transcendia a tudo. Após eu cessar a conversa vieram as palavras que me fizeram ver a vida diferente...

Agora aquele senhor, segurando uma taça entre os dedos, já demonstrava com os olhos úmidos sua emoção. Era nítido que via em meus erros os seus de um passado mais longínquo. Ele então pronunciou meu nome e passou a discorrer sobre sua vida. Falou de seus negócios, de suas falências, de seus relacionamentos amorosos e suas decepções, de suas mudanças de rumos, os questionamentos a sua fé até chegar ao que vive hoje, ao lado de seus filhos e sua segunda esposa com sua empresa que navega sob bons ventos.

Pois foi com só através de seus erros, dizia ele, que hoje ele pode ajudar pessoas que vivem uma seqüência de erros em suas vidas – na sua empresa, na sua família – não mais reprimindo como já o foi outras vezes, mas mostrando a grandiosidade que os erros nos proporcionam no aprendizado e o poder de transformação que pode ter se bem conduzido o recomeço dos atos.

Por isso, complementava, só há um jeito de viver a vida de forma plena: gastando-a. Se pensas em ter filhos, tenha três! Se pensas em casar, case de uma vez e se não der certo “recase” quantas vezes for. Invista! Vá a falência se for, mas arrisque a vida, não importa os caminhos que ela levar, só há um modo de saber, gastando-a!

Meus ouvidos ficaram surdos e nas horas seguintes da festa, aquele conselho ainda ecoava na minha mente. Nunca me esquecerei daquela noite. A partir dali passei a admirar pessoas que conseguem gastar com sabedoria suas vidas. Passei a admirar os que casavam, a admirar os que separavam e continuavam suas vidas, os que tinham filhos, os grandes corações que adotavam filhos, os que viajavam, os que beijavam apaixonadamente, os que trabalhavam, os que procuravam empregos, os que mudavam de carreiras... Enfim achei mais um motivo para gostar da vida e os medos já não me paralisavam mais.





Visão de um solteiro sobre a vida de casado: segundo ato



A partir do momento que não se exclui mais o casamento, ele passa a ser questionado se e quando irá convir na sua vida. A questão é, porque as pessoas se casam?

Primeiro o amor (!) é claro. Seria a argamassa que junta todos os tijolos e dão estabilidade às paredes e pilares evitando que a casa desmorone de vez. Sim, o amor se faz presente em namoros, existe ainda o amor platônico e outros amores das mais diferentes formas. Vemos então exemplos dos que se amam e não são casados, ou ainda não se casaram – veja aqui o casamento como uma união com hábitos de um casamento não necessariamente passado no papel. Pois assim, com tantos exemplos, vemos que o amor não é sinônimo de casamento e, pelo que vejo por vezes, vice-versa.

Outros acreditam que o casamento é uma questão de conveniências. Se me é conveniente, me caso. Por exemplo, se estou em um namoro há algum tempo e ganho um aumento que torna o casamento financeiramente viável, me caso. Ou estou com 35 anos e meu Deus, preciso me casar! Pois acrescento... A duração do matrimonio é diretamente proporcional a força das conveniências que se estabelecem com o casamento já em vigência. Entram em jogo filhos, imóveis, profissão e salário de ambos, dentre outros. Se você tem dez conveniências estabelecidas e dentre estas, duas não lhe agradam, pois pense bem se quer perder as outras oito boas, o contrário é verdadeiro. A proporção e intensidade das conveniências variam é claro, com diferentes valores e significações que os casais dão a elas. No entanto vejo como muito mais complexo um relacionamento que justificado por simples conveniências.

Temos então o amor e as conveniências estabelecidas, mas o desejo de casar me parece mais profundo. Pois em parte suponho que seria daquela necessidade que carregamos desde a infância de “pertencer”. Pertencer a algo, ter um papel, um lugar. A partir deste sentimento o individuo começa a projetar em relacionamentos outros a sua vontade de pertencer àquele sistema. O sistema que não é garantia de felicidade, no entanto é “habitável” como citado pelo livro de Roland Barthes em “Fragmentos de um Discurso Amoroso”. Ele projeta então as estruturas de um relacionamento: a sogra que cozinha pratos especiais ao genro, o sogro que traz cerveja gelada para assistir ao campeonato, o cunhado ciumento que atazana a vida do casal, o cachorro, o vizinho, o ciúmes e assim por diante. Sabe-se que terá seus desconfortos, mas ali encontrará estruturas montadas de relacionamentos e vínculos que seriam como um teto para um sem-teto (o solteiro).

Frente a todas essas suposições, pode-se afirmar que só há uma forma para definir fidedignamente o que significa um casamento: casando! Pois, aí que vos afirmo que até agora foi de tudo um devaneio de um solteiro. Daqui a uns anos as escritas estarão sujeitas a serem mais verossímeis.



Fernando Wolf