quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Relação a Dois

O começo. O doce começo. As entrelinhas, a dissimulações de emoções. Sentimentos a flor da pele, um incomensurável mundo de endorfinas borbulhando em nosso ser. Ficamos pasmos, colocamos o outro em um pedestal. Floresce a paixão por um ser imaculado, livre de defeitos sem sequer conhecermos um “zilhonésimo” daquilo que o outro realmente é.
Passam-se os dias e os enamorados, na dança da vida, se encontram, se enlaçam e cada vez mais se apaixonam. Descobrimos diariamente uma qualidade ali, uma feição nova acolá. Dançamos e ignoramos os passos em falso, os “pisões” no pé. Estamos apaixonados. Somos impulsionados por uma força sobrenatural a dançar sempre juntos. Dançar sozinho já não tem mais a mínima graça.
Após o deslumbre quase que como uma enfermidade de cunho psiquiátrico vem a rotina. Dias vão, dias vem e conhecemos cada vez mais as afeições do ser ao qual construímos uma relação estreitada. A intimidade é um crescente e sentimos uma gostosa sensação de desinibição frente ao outro que já não nos é mais estranho. Sentimos liberdade de ser simplesmente e que somos. Mostramos todas nossas faces. O nosso par já faz parte do dia-a-dia e vice-versa. Cuidado!
Sem mais barreiras de “estranhezas” entre ambos, já não ignoramos mais os defeitos. Cadê aquele que eu coloquei num pedestal que ladrilhei com pedras douradas? Cortando as unhas em cima da cama, deixando a calcinha molhada no chuveiro?
Sofremos na esperança de que um dia vamos conseguir trazer o nosso bem amado mais próximo possível daquilo que idealizamos desde o inicio. “Que eu tenha forças para aceitar o imutável!”
A rotina pesa. Carregá-la nos ombros diariamente é um desafio mental, físico, e sexual porque não. Há períodos que não agüentamos dar mais um milésimo de nós ao outro. Parece que a fonte que vertia vorazmente lá no início se esvaiu sem deixar um filete de paixão sequer.
Tempos amargos de um relacionamento a dois são inevitáveis. Entramos em um deserto árido. As tentações são muitas. Oferecem-nos água límpida, aparentemente refrescante, no entanto negamos, pois no fundo sabemos que a única fonte potável verte do nosso amor verdadeiro. Do contrário, envenenamos pouco a pouco nossa relação.
Será possível em uma relação construída tijolo sobre tijolo resistir às intempéries do tempo? Poderemos construir um forte inabalável às agruras da vida, do cotidiano? Senhoras, senhores, acreditem... Sim! É possível! Difícil sem dúvidas.
Podemos afirmar isso com certa tranqüilidade, pois sabemos que, apesar de estarem cada vez mais raros, ainda existem relacionamentos que perduram no tempo. Mas qual o segredo? Isso cada casal tem o seu. Podemos colocar aqui uma percepção de um sentimento que veio a mente e assim segue no decorrer deste texto.
É quase mágico o que acontece. No meio de toda uma confusão de fatos e vícios que a vida nos traz, nossa natureza nos surpreende. Por vezes, quase que por um instante, percebemos o outro de uma forma diferente. Seja num olhar, num gesto, numa brincadeira, em uma atitude particular, em um ato enobrecedor. Aquilo que nos apaixonou pela primeira vez, volta e faz-nos reviver aquela agradável sensação lá do inicio. “Reapaixonamo-nos” por um instante no espaço-tempo. Recriamos novamente dentro de nós aquela agradável sensação.
São nestes momentos, no acaso da dança, aonde esquecemos as divergências acumuladas e achamos ali forças para continuar caminhando pelas tortuosidades da vida, a dois, unidos pelo que realmente importa: o amor. Piegas, porém obviedades são ditas para não caírem no esquecimento.
Fernando Wolf