quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Opostos criados: ilusão infernal e paradisíaca de nosso ser.

Homens não nascem prontos, mas tão prontos se colocam a aprender que o nosso meio de paraíso passa longe. Será?
Tão bom era aquele útero, ao mesmo tempo tão finito... Nascemos plenos e nos víamos como um todo, um ser completo. Não tínhamos o discernimento do eu e do outro, éramos um só. Tetas e bebê como um só, na percepção do bebê é claro, na teoria psicanalítica. Surge o Édipo. Eis nossa primeira visão do inferno. Quem é este ser que agora desfigura nossa completude... O chamam de pai? Perde-se assim o conceito de todo, já sabemos agora que há um “outro” que invadiu nosso espaço. Agora temos a angústia de recuperar o que nos era pleno e foi destruído... Voltaremos um dia a ser completos? Ou estamos fadados a vagar pelo mundo buscando nossa completude e chutando a quem se puser no caminho? Talvez é este o nosso inferno mais primitivo.
Já o inferno descrito por Dante Alighieri, durante seu exílio, em “A Divina Comédia” mostra todo um simbolismo da sua época. Ele divide e hierarquiza os nossos destinos espirituais no pos mortem. Sendo assim, sintetizando, temos o paraíso, o purgatório e o inferno. Todos estes organizados e preparados para receber as diferentes almas oriundas de seres com os mais diferentes pecados, com ou sem arrependimentos, assim por diante. Temos uma espécie de organização em castas no inferno.
O engraçado é que Dante apresentava no inferno um lugar/setor sempre vinculado a uma penitência e naquele lugar ficavam ou os pródigos, ou os sedutores, ou os avarentos etc que recebiam ou labaredas de fogo ou tarefas exaustivas e assim por diante. Assim parece que você receberia uma etiqueta quando vai ao inferno. Uma palavra ou um pecado te define a a tua punição eterna. É mais ou menos como ir preso no Carandiru e te taxarem de “estuprador”. Não interessa se você matou quarenta e cinco homens e estuprou uma única adolescente, você agora é o “estuprador”. A punição não é eterna, mas certamente é dura como a descrita no inferno dantesco.
Pois foi no contexto milenar de paraíso e inferno que Sartre, no século vinte, elaborou uma peça de teatro cujo enredo se passa no inferno. A peça “Entre quatro paredes “ traz um conceito de inferno novo com torturas de cunho mais psíquico, quase uma analogia a vida na terra. É dele que vem a famosa frase de que “o inferno são os outros”, usada recentemente na musica de sucesso emplacada pela banda Detonautas
Assim sendo, nesta peça temos 3 personagens que estão mortos e pela eternidade imutáveis. Eis que as suas angústias psíquicas sempre ciclam e voltam aos mesmos pontos eternamente. Temos três personagens de personalidades diferentes, os quais são responsáveis pelos tormentos uns dos outros. Ou melhor, um torna o outro o seu próprio tormento.
Seja cá na vida real como acolá na peça de Sartre podemos “linkar” alguns aspectos - Veja que estes conceitos foram propositalmente inseridos pelo autor e aqui, venho devanear sobre – que por assim dizer podem tornar nossas vidas um “inferno”.
O primeiro conceito mostra que os personagens por estarem mortos não possuem a capacidade de mudar, mesmo que queiram mudar. Além do mais, vivem o mesmo papel pela eternidade. Eternamente arrependidos de um pecado, eternamente sedutores ou seduzidos, eternamente passionais a uma paixão doentia.
Ao contrario da situação proposta, somos ainda vivos e por mais traumas, desilusões, traições que tenhamos vivido ainda usufruímos do famoso “livre arbítrio” o que é fantástico lembrar, mesmo sendo tão obvio. Quantas pessoas esquecem este aspecto em vida e acabam tornando suas próprias vidas num verdadeiro inferno? Vivem num passado que não volta mais, fazem questão de relembrar suas mágoas, não conseguem sair daquela relação tempestuosa com seu ex-marido ou esposa mesmo após décadas. Não conseguem viver feliz sem um ente querido que se foi, pois sentem que é impossível reviver as suas lembranças na vida real e assim não permitem-se usufruir de novas experiências e novos sentimentos e sensações nunca antes vividos. Não perdoam os outros nem se perdoam, submetendo-se assim a um “eterno” e petrificado inferno em vida. Deixemos claro aqui a isenção do peso da culpa. Simplesmente chegamos à composição psíquica que temos hoje, por uma conjunção infinita de fatores. No entanto, a reflexão é importante.
Bem colocado também é o fato de que no inferno de Sartre, um personagem é responsável pela miséria e cólera alheia, ou melhor, cada um se faz miserável de espírito depositando no outro o motivo de suas angústias eternas. São eternas vitimas do julgamento alheio, dos quais usamos para elaborar nossos próprios julgamentos. Pois assim sendo nosso “ser critico interno” nada mais é do que a personificação do julgamento alheio. Os outros não passam de nossos espelhos. Por exemplo, se Julgamos outro como sendo narcisista por demais e isto nos incomoda, pois aí que encontramos nossa projeção do que não gostamos em nos mesmos. O contrário também é verdadeiro, onde qualidades que admiramos também podem estar enrustidas em nós. Grande oportunidade de nos vermos. Talvez falte coragem de olharmos aos espelhos com coragem de ver-se através dos olhos da verdade.
Quando nos importamos em demasia com o julgamento alheio, e estes (julgamentos) passam a nos sugar, nos tornam escravos que se curvam ao seu poder, criamos um inferno em terra. Como um exemplo típico, temos a música composta por Jimmie Cox em “Nobody Knows You When You're Down And Out” que demonstra a experiência de um homem que já teve fortuna e noites inesquecíveis movidas a bebidas. O mesmo se deu conta que quando esta onda passou, tudo não passara de uma grande ilusão. Os amigos de antes, seus “recém formados amigos de infância” que viviam ao seu redor, agora com ele “pra baixo” e sem dinheiro, não o conheciam mais. Pois antes talvez Jimmie, ou seu personagem, desse muito apreço a opinião e valores das pessoas ao seu redor, porém após, na fase de “vacas magras” ele viu o quanto aquilo não era importante e que se pudesse voltar atrás seguraria seus dólares com muito mais afinco. Eis o inferno composto por Jimmie Cox. Quantos de nós não vivemos isto de formas outras ou similares. Modificamos atitudes que nos pareciam corretas, pela mera atribuição do que os outros iriam pensar de nós. Isso tudo, muitas vezes, criado por nós, sem mesmo ter soprado tal julgamento na mente alheia. Tão bobo, tão distorcido, tão comum: uma tortura criada, que pode ser facilmente desfeita... basta ver por entre a “névoa”de nossas ilusões.
Talvez o modo mais eficaz para nos aproximarmos de um “paraíso” terreno, seja um pensamento libertário onde todos os acontecimentos são vistos e vivenciados como um grande aprendizado importante para o nosso desenvolvimento. Isto requer um desapego muito grande aos tabus já previamente impregnados ao longo dos anos. Ao vermos uma pessoa nos traindo, ao surpreendermo-nos com um comportamento agressivo, ao sermos seduzidos por uma falsa ideologia e assim por diante, tudo isso nos levará a desenvolver-nos de alguma forma. Somos o que somos porque passamos por todas as adversidades e felicidades já vividas, e devemos ser gratos a isso, do contrário não seríamos o que somos hoje.
Além do mais, ao considerarmos que todos estão na mesma jornada finita a procura de uma eventual “felicidade” com todos os seus percalços, conseguiremos perdoá-los de uma forma muito mais fácil de seus pecados aqui em vida, pois sabemos que os outros estão aqui para o mesmo fim de evolução pessoal e também não são detentores de uma sabedoria universal. Os outros, como nós, estão aprendendo a viver, e podem não ter achado um caminho mais ameno ainda, e vivem talvez num inferno em terra. Contudo, tenha certeza... no final, todos teremos o mesmo fim, pelo menos em terra. Temos a escolha de dar um tempo aos outros para que tenham seus próprios aprendizados, ou mesmo nos afastar destes relacionamentos, procurando águas mais calmas.
Vejamos em nossos inimigos, nas nossas decepções amorosas, nas maldades do mundo, na corrupção uma grande oportunidade de conhecermos até aonde pessoas podem viver e criar seu inferno em terra. Assim, temos como palpar melhor o que vem a ser o seu oposto e buscar nosso paraíso terreno. Afinal o que seria do “Ying” se não fosse a existência do “Yang”.
Portanto, o que nos é palpável, é a escolha de poder viver no paraíso da sabedoria ou no inferno da dependência ao julgamento alheio. Ou seja, podemos sim desfrutar em vida a possibilidade de nos colocarmos como eternos aprendizes livres que, na jornada da vida, buscam na verdade o real paraíso.

Fernando Wolf.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Azuis

Vejo seu semblante
Saio de meu quartel
Vejo o azul dos mares
O encanto da sereia
Da sua janela ouço a melodia
Enamoro-me qual um menino bobo
Pulsa em mim a certeza do incerto
E, simples assim,
Um olhar
Uma entrega
Um talvez

Fernando Wolf