terça-feira, 26 de abril de 2016

O reinventar-se





Mudar é bom, é penoso e no fim das contas é essencial para que o artista dispa-se dos seus medos e atue com a beleza de sua personalidade à luz de sua essência. Um fenômeno de entrega e de inquietante vulnerabilidade, que deflagra os mais saborosos gostos da vida - o “eu” como um todo, integrado ao todo.
“Sabia que no fundo de todos aqueles pensamentos havia uma potência não explorada, que não se podia expor pelas barreiras do próprio hábito e mais ainda, pelas muralhas destes estigmas que cada um carrega consigo. Estas coisas de um todo inconsciente, uma leitura premeditada de nós, onde metemos nossas mentes em claustros, fóbicos de qualquer coisa que fuja ao premeditável. Somos todos tão humanos...”
É no caminhar sobre os olhos da esperança, que conseguimos enxergar o horizonte sem nos cegar pelo desânimo desta misteriosa finitude.
“Mudávamos de cidade ora e outra, por muitos motivos e principalmente por razões de nosso pai que vivia seu status de peregrinação por novos horizontes, tendo ele despontado mundo a fora, levando junto sua família e seus sonhos. Era ele um jovem homem a procura do que havia de se transformar em seu próprio épico, no que lhe cabia de herói, senão de sua própria existência.”
O homem traz consigo uma semente, que canta no peito potente, a vontade de poder brotar.
“Até então, recolhia-me em pequenos desejos, singulares daquela época. Um adolescente franzino, de pernas inquietas, que vivia de quereres e perdões. Quem sabe um dia, aquela garota me olharia... ou quem sabe mesmo, conseguiria ter uma desenvoltura normal de qualquer garoto e seu grupo tribal, seja qual tribo fosse... e quem sabe talvez, nem que por um breve momento, seria aceito por mim mesmo e tomaria o rumo certo, certo mesmo daquilo que vivi. Era para todos o mesmo e para mim, aquele mesmo, já não fazia mais a sua falta. Mirava os passos a minha frente, os risos vinham me quebrar a espinha, ecoavam por entre as têmporas e reverberavam em minhas pernas, que covardemente recuavam.”
Quando os senhores de nossos pensamentos acostumam-se a obedecer à rotina, logo os ossos do corpo estremecem revoltosos e ordenam aos músculos que se contraiam e às articulações que se desdobrem em movimentos - que se corra sem rumo, mas que se corra!
“Perguntou-me mais uma vez: filho, acho que vamos mudar novamente, é importante, é para longe... o que achas?”
O que levar senão o “adiante”, de pés no chão e com as mãos espalmadas nos sonhos, aos olhos dum coração que dá o sentido e a direção. O movimento pode ser potente, nobre em causas, mas árduo de práxis e cotidianos. No desânimo dos olhos alheios que, cansados de tanta desilusão própria, se insinuam por sobre ombros vizinhos e desdenham qualquer arte de suas bocas, satirizam os pés e as mãos embaraçados de outrem em sua própria coreografia. Assim, mesmo que o belo ressurja dum coração, nada se reconhece daquela novidade e, sociais que somos, parecem-nos por vezes que os subterfúgios, são a língua da nossa submissão como um triste desenho de nossos passos, feito pelos mais diversos lápis, sem sequer um mal feito traço, desenhado com a nossa própria mão.
“Foi a chance que tinha, mudar (!) e já íamos lá. Era tudo novo. Já os medos, os mesmo. Mas a coragem agora já não se calava e brotava das gotas nervosas de minhas mãos. Podia ser um colégio ou uma simples aula de Karatê. Eu soprava os pensamentos por sobre aqueles imensos corredores, fitava todos a aqueles horrores, era a mim o abismo e não conhecia sequer o seu fim. Podia ser o que fosse, escolhi, naquilo tudo que poderia, ser “caminhante”. Dei então um passo adiante, depois outro e outro...”
Há sempre um respirar, que por Deus, se não fosse a bendita constância universal, a mudança, não respiraríamos uma gota de ar sequer. Sufocaríamos em nosso próprio tédio. Ah o que seriam de tantas andanças se não fossem as mudanças a reinventar o viver.
“Enfim, como já era previsto, não virei um herói - se é que existem - não fui sequer o melhor dentre todos, em tudo o que fiz. Simplesmente desfrutei o gosto daquele “a mais” que pude ser de mim.”

Somos as estações que caem como folhas desbotadas de outono, recolhem-se próximos a fogueiras no inverno, revigoram-se na primavera e dançam ao sol do verão. Que possamos viver plenamente cada estação de nós ofertada, mesmo que ninguém perceba o quão doce podem vir um dia a ser os nossos frutos.


FW