Mudar
é bom, é penoso e no fim das contas é essencial para que o artista dispa-se dos
seus medos e atue com a beleza de sua personalidade à luz de sua essência.
Um fenômeno de entrega e de inquietante vulnerabilidade, que deflagra os mais
saborosos gostos da vida - o “eu” como um todo, integrado ao todo.
“Sabia
que no fundo de todos aqueles pensamentos havia uma potência não explorada, que
não se podia expor pelas barreiras do próprio hábito e mais ainda, pelas
muralhas destes estigmas que cada um carrega consigo. Estas coisas de um todo
inconsciente, uma leitura premeditada de nós, onde metemos nossas mentes em
claustros, fóbicos de qualquer coisa que fuja ao premeditável. Somos todos tão
humanos...”
É no
caminhar sobre os olhos da esperança, que conseguimos enxergar o horizonte sem
nos cegar pelo desânimo desta misteriosa finitude.
“Mudávamos
de cidade ora e outra, por muitos motivos e principalmente por razões de nosso
pai que vivia seu status de peregrinação por novos horizontes, tendo ele
despontado mundo a fora, levando junto sua família e seus sonhos. Era ele um
jovem homem a procura do que havia de se transformar em seu próprio épico, no
que lhe cabia de herói, senão de sua própria existência.”
O
homem traz consigo uma semente, que canta no peito potente, a vontade de poder
brotar.
“Até
então, recolhia-me em pequenos desejos, singulares daquela época. Um
adolescente franzino, de pernas inquietas, que vivia de quereres e perdões.
Quem sabe um dia, aquela garota me olharia... ou quem sabe mesmo, conseguiria
ter uma desenvoltura normal de qualquer garoto e seu grupo tribal, seja qual
tribo fosse... e quem sabe talvez, nem que por um breve momento, seria aceito
por mim mesmo e tomaria o rumo certo, certo mesmo daquilo que vivi. Era para
todos o mesmo e para mim, aquele mesmo, já não fazia mais a sua falta. Mirava
os passos a minha frente, os risos vinham me quebrar a espinha, ecoavam por
entre as têmporas e reverberavam em minhas pernas, que covardemente recuavam.”
Quando
os senhores de nossos pensamentos acostumam-se a obedecer à rotina, logo os
ossos do corpo estremecem revoltosos e ordenam aos músculos que se contraiam e
às articulações que se desdobrem em movimentos - que se corra sem rumo, mas que
se corra!
“Perguntou-me
mais uma vez: filho, acho que vamos mudar novamente, é importante, é para
longe... o que achas?”
O
que levar senão o “adiante”, de pés no chão e com as mãos espalmadas nos
sonhos, aos olhos dum coração que dá o sentido e a direção. O movimento pode
ser potente, nobre em causas, mas árduo de práxis e cotidianos. No desânimo dos
olhos alheios que, cansados de tanta desilusão própria, se insinuam por sobre
ombros vizinhos e desdenham qualquer arte de suas bocas, satirizam os pés e as
mãos embaraçados de outrem em sua própria coreografia. Assim, mesmo que o belo
ressurja dum coração, nada se reconhece daquela novidade e, sociais que somos,
parecem-nos por vezes que os subterfúgios, são a língua da nossa submissão como
um triste desenho de nossos passos, feito pelos mais diversos lápis, sem sequer
um mal feito traço, desenhado com a nossa própria mão.
“Foi
a chance que tinha, mudar (!) e já íamos lá. Era tudo novo. Já os medos, os
mesmo. Mas a coragem agora já não se calava e brotava das gotas nervosas de
minhas mãos. Podia ser um colégio ou uma simples aula de Karatê. Eu soprava os
pensamentos por sobre aqueles imensos corredores, fitava todos a aqueles
horrores, era a mim o abismo e não conhecia sequer o seu fim. Podia ser o que
fosse, escolhi, naquilo tudo que poderia, ser “caminhante”. Dei então um passo
adiante, depois outro e outro...”
Há
sempre um respirar, que por Deus, se não fosse a bendita constância universal,
a mudança, não respiraríamos uma gota de ar sequer. Sufocaríamos em nosso
próprio tédio. Ah o que seriam de tantas andanças se não fossem as mudanças a
reinventar o viver.
“Enfim,
como já era previsto, não virei um herói - se é que existem - não fui sequer o
melhor dentre todos, em tudo o que fiz. Simplesmente desfrutei o gosto daquele
“a mais” que pude ser de mim.”
Somos
as estações que caem como folhas desbotadas de outono, recolhem-se próximos a
fogueiras no inverno, revigoram-se na primavera e dançam ao sol do verão. Que
possamos viver plenamente cada estação de nós ofertada, mesmo que ninguém
perceba o quão doce podem vir um dia a ser os nossos frutos.
FW
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