Todos os dias, dias após dias, o inevitável frio soprava os
corredores. Eram doentes e doentes invariavelmente eram carentes. Debilitados
na fragilidade dos estados de seus corpos e espíritos. Às almas frágeis, fazia-se pesar o não poder levar do calor que costumavam ter por sobre
suas faces em dias de sol.
Entretanto, havia algo em meio aos corredores e quartos que
guardava uma preciosidade, uma flor, que trazia seu próprio sol. Ela era uma menina
de pele alva da cor de noites de lua cheia, de cabelos vermelhos dourados que
pareciam da fênix tirados. Estava agora em seu estado mais febril, vinda de
duras batalhas com sua própria sorte. Dias e noites lutando por não apagar a
chama que mantinha sua energia vital. A precariedade, a total entrega e a
carência de intimidade já fazia parte de seu cotidiano. Era doloroso vê-la. Uma
menina tão moça. Um martírio tão grande.
Todo o ar que tragava, já havia dias que por sua boca não
passava. Era por meio de cânulas e aparelhos que respirava. Um incansável ir e
vir artificial. O sono não era natural, queria dormir, mas seus olhos não
fechavam quando desejava, mas sim quando as máquinas e medicamentos ditavam. O arbítrio
já não era mais seu. Seu corpo já estava inerte a frequentes invasões.
Cateteres, exames, tubos, desconhecidos de branco falando a sua volta hora
sobre sua pessoa, hora sobre superficialidades.
A medicina moderna a fizera sobreviver, mas ainda não
conseguira fazê-la viver, até aquele dia...
Já não mais dependia de aparelhos, mas estava fraca e havia
ainda uma cânula que desviava o ar diretamente para seus pulmões. Não lhe era possível
falar. Era-lhe cabível somente expressar-se com os olhos. Seus olhos azuis
queriam falar, carregavam uma esperança sorvida por tristeza. Havia dor. Veio
então a notícia. Seria possível colocar uma cânula em sua traqueia que a
permitiria falar e que lhe daria mais conforto. O médico prontamente realizou o
procedimento de troca. Sua mãe, que a acompanhava incondicionalmente desde
sempre, sofria às lagrimas do lado de fora e entoava baixinho: Filha, sua mãe
esta aqui! Sua mãe esta aqui, filhinha!
A jovem menina mais uma vez mostrava seus olhos de angústia.
Era desconfortável, quase não tinha forças para tossir. Foi quando, que uma vez
a nova cânula colocada, com sua mãe ao lado, aquela menina mostrou seus olhos
em lágrimas e estendeu seus braços trêmulos. Sua mãe prontamente perguntou
angustiada:
“Filhinha, você esta com dor?”
Dissemos que ela poderia agora falar, afinal já havia tanto
tempo que já se desacostumara. Eis que ela reúne todas suas forças e, em um
sopro de ternura, responde:
“Mamãe, eu te amo!”
Sua mãe, emocionada, passou a mão em seus cabelos e
respondeu: “A mamãe também te ama, filha.”
O silêncio agora se fazia de fala, trazia o som da
perplexidade dos que estavam a sua volta.
Havia em toda aquela fragilidade uma força que permeava todo
o sofrimento. A força de um amor incondicional. Um amor tão doce que foi capaz
de tirar, num instante, toda a amargura daquele sofrer. Algo que palavras
realmente não são capazes de descrever.
Foi naquele dia, que pude sentir o perfume de uma flor, que
se fez florir em meio a um mundo de cimento tão duro e arbitrário. Foi naquele
dia que minhas lágrimas homenagearam o perfume mais doce deste mundo sem fim.
Foi o amor, ele sim, que iluminou a flor mais nobre daquele jardim.
Fernando Wolf