segunda-feira, 28 de maio de 2012

Uma flor em meio ao cimento




Todos os dias, dias após dias, o inevitável frio soprava os corredores. Eram doentes e doentes invariavelmente eram carentes. Debilitados na fragilidade dos estados de seus corpos e espíritos. Às almas frágeis, fazia-se pesar o não poder levar do calor que costumavam ter por sobre suas faces em dias de sol.
Entretanto, havia algo em meio aos corredores e quartos que guardava uma preciosidade, uma flor, que trazia seu próprio sol. Ela era uma menina de pele alva da cor de noites de lua cheia, de cabelos vermelhos dourados que pareciam da fênix tirados. Estava agora em seu estado mais febril, vinda de duras batalhas com sua própria sorte. Dias e noites lutando por não apagar a chama que mantinha sua energia vital. A precariedade, a total entrega e a carência de intimidade já fazia parte de seu cotidiano. Era doloroso vê-la. Uma menina tão moça. Um martírio tão grande.
Todo o ar que tragava, já havia dias que por sua boca não passava. Era por meio de cânulas e aparelhos que respirava. Um incansável ir e vir artificial. O sono não era natural, queria dormir, mas seus olhos não fechavam quando desejava, mas sim quando as máquinas e medicamentos ditavam. O arbítrio já não era mais seu. Seu corpo já estava inerte a frequentes invasões. Cateteres, exames, tubos, desconhecidos de branco falando a sua volta hora sobre sua pessoa, hora sobre superficialidades.
A medicina moderna a fizera sobreviver, mas ainda não conseguira fazê-la viver, até aquele dia...
Já não mais dependia de aparelhos, mas estava fraca e havia ainda uma cânula que desviava o ar diretamente para seus pulmões. Não lhe era possível falar. Era-lhe cabível somente expressar-se com os olhos. Seus olhos azuis queriam falar, carregavam uma esperança sorvida por tristeza. Havia dor. Veio então a notícia. Seria possível colocar uma cânula em sua traqueia que a permitiria falar e que lhe daria mais conforto. O médico prontamente realizou o procedimento de troca. Sua mãe, que a acompanhava incondicionalmente desde sempre, sofria às lagrimas do lado de fora e entoava baixinho: Filha, sua mãe esta aqui! Sua mãe esta aqui, filhinha!
A jovem menina mais uma vez mostrava seus olhos de angústia. Era desconfortável, quase não tinha forças para tossir. Foi quando, que uma vez a nova cânula colocada, com sua mãe ao lado, aquela menina mostrou seus olhos em lágrimas e estendeu seus braços trêmulos. Sua mãe prontamente perguntou angustiada:
“Filhinha, você esta com dor?”
Dissemos que ela poderia agora falar, afinal já havia tanto tempo que já se desacostumara. Eis que ela reúne todas suas forças e, em um sopro de ternura, responde:
“Mamãe, eu te amo!”
Sua mãe, emocionada, passou a mão em seus cabelos e respondeu: “A mamãe também te ama, filha.”
O silêncio agora se fazia de fala, trazia o som da perplexidade dos que estavam a sua volta.
Havia em toda aquela fragilidade uma força que permeava todo o sofrimento. A força de um amor incondicional. Um amor tão doce que foi capaz de tirar, num instante, toda a amargura daquele sofrer. Algo que palavras realmente não são capazes de descrever.
Foi naquele dia, que pude sentir o perfume de uma flor, que se fez florir em meio a um mundo de cimento tão duro e arbitrário. Foi naquele dia que minhas lágrimas homenagearam o perfume mais doce deste mundo sem fim. Foi o amor, ele sim, que iluminou a flor mais nobre daquele jardim.


Fernando Wolf

Um comentário:

  1. Parabéns pelo belo texto! Me pareceu muito real! E pode realmente ser...

    Espero que o amor continue a iluminar as mais nobres flores de diferentes jardins mesmo estando em meio aos cimentos!

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