domingo, 5 de fevereiro de 2012

Renascer de cada dia


Era uma praia, não uma praia qualquer, pois era aquela que eles tinham naquele dia. Tinha um gosto especial. Já se davam meses que aquele casal quiçá tinha se oportunizado férias. Era aquilo também um fugir de tudo o que lhes representou de decepções e medos daquele ano tão penoso.
Curtiam as primeiras trocas de intimidade e carinhos longe de tudo. Conheceram-se no caos de uma metrópole há ainda muito pouco. Amores para cá, amores para lá. Sabiam, após muitas das andanças em seus próprios caminhos, que o amor era raro, mas não estático. Sentiam que ali não havia obrigações, pois todos com seus corações sabem da capacidade de aprender e reaprender a amar seja quando for – quando semeado pelo tempo.  
No entanto, o nosso personagem, tão homem, tão contemporâneo, bradava em ondas revoltas. Era ele escravo de seu senhor, de seu corpo, de seus medos. Lembrava mares outros que, como em grandes tempestades, já se pusera. Ainda ali persistiam os erros, os acertos, a gana e os apegos. O mar ainda se jogava com força nas encostas de seu ser. As ondas insistiam em transformá-lo em areia fina e disforme.
Ela, tão mulher, tão dona de si, já se punha desnuda de suas vestes de outros invernos. Estava já adaptada ao clima dos trópicos, à simplicidade daquela vida pacata ali a sua volta. Dizia que um banho no mar brando e morno seria uma boa. Seria um símbolo de renovação da alma, de finalizar um ciclo e o recomeçar de outro.
Mas ele insistia em trazer sua tormenta. Não lhe era aprazível o recostar-se na rede sentindo o vento bater-lhe as bochechas. Afinal inquietava-se pensando de onde vinham aquelas águas do rio e para onde elas iriam. Não se permitia fazer parte daquele rio, que se faz parte do mar, que se faz parte do todo...
Mas Mariana intuindo toda sua energia, pegou nos cabelos de Ricardo e o beijou intensamente e inesperadamente. Por um momento único as suas almas encontraram-se e Ricardo percebeu toda a vida e seu sentido. Era aquilo uma fração do amor em sua forma pura e única. Era aquele momento único em sua existência, impossível não contemplá-lo. Era o primeiro segundo que conseguira desfrutar de seu maior presente: o seu, o deles, o presente.
Fora o amor em forma de paixão que trouxera Ricardo de volta à vida. Agora já não restava outro desejo senão o de olhar aquele mar e sentir o aroma do sal morno. Ensurdecia-se com o barulho de ondas que fechavam suas pestanas a ouvir a força da natureza em seu peito. Não mais seus fantasmas, não mais suas dores e alegrias passadas. Vivia agora aquele momento e tão somente aquilo.
Ricardo então olhou nos olhos de Mariana, pegou sua mão e a recostou por sobre o seu peito. Com os olhos marejados de lágrimas, ouviu a sua alma e falou baixinho: “obrigado”.
Mariana, intuitiva como era, já presumia do que se tratava, pois a feição de Ricardo já era outra agora. Não lhe disse mais nada. Ficaram ali, abraçados por mais algumas horas, presenteando-se com o entardecer do sol que ia se forjando do nácar ao alaranjado e por fim se derramava no mais vivo vermelho por sobre o mar. Fora ali, no cair do dia, que se dera um novo respirar da alma.


Fernando Wolf

Foto: Thayne Soldatelli Andrade
http://soldatelli.blogspot.com/

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