terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O ventre do homem




Nenhuma gota de ventre
Nem mesmo do leite que jorram das tetas
O ventre que carregas
Onde guardas o amor
Da rosa que te pariu
Agora esqueças,
És um homem deste mundo
E aqui teu falo é teu punhal
Se não cortares as gargantas
É tua cabeça que será exposta
Nas praças públicas de teus semelhantes
Que, como a ti...
Vivem a sonhar calados com o dia que voltarão ao ventre
Ao aconchego de todo homem só
Eles e tu, doutrinados ao “cala-te!”
Num desconsolo da mais pura falta de seus todos,
Choram as lágrimas solitárias
De não poderem ser
Os ventres que ali lhe habitam
Em meio as suas entranhas irrequietas

O som vinha como trovões
Deflagrados de uma energia estrondosa
Impondo-se aos ouvidos a dentro:

“Enquanto somos sós
Soldados sem exército, sem companheiros
Num fronte de valas tristes
Com os pés frios e paralíticos
Que ali...
No reduto de toda nostalgia duma liberdade pueril
Ninguém mais ouse mostrar o seu ventre!”

 Bradavam os de peito inflado
De olhos marejados de toda dor


Eis o medo que o abocanha
O medo da cegueira
Que paralisa as pálpebras
Torna tudo escuro e denso
Sem cinema, sem artista
Nem luz

                        Ah inglórios soldados sem causa!
                      Em franco aborto vital de suas almas
           Ajoelham-se perante sua Invídia e clamam:

“Que morram todos os heróis!
Destemidos vulneráveis
De nudez clara como a água de um pássaro
Que matam o homem, com olhos serenos
Dia após miserável dia,
Plantam um humano dentro de si
A todos estes, só restam os nossos punhos
Que socam o vento vão
Um punhal sujo do sangue
Que recrudescem as chagas
Daquela mesma criança
Do parque, da gangorra
Pipa, boneca, pisam a grama
E hoje pisam o chão"


Eram quaisquer uns, tolos
Tomavam conta dos bares
Dos campos de futebol, das barbearias
Junto ao cair de seus pêlos,
A raiva de seus olhos frente ao espelho
Até que o último dos homens
Tornou-se a si
E sangrou seu ventre:



“Que morram todos...
Que morramos juntos!
Os homens e os punhos cerrados
Para que só reste
No fim de cada ocaso
O ventre que acolheu um dia
E a mão que libertou
O humano preso no estômago
Deixemos  este ser todo 
Viver a plena arte de si!



Fernando Wolf

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