segunda-feira, 9 de maio de 2011

Discorrer sobre a morte



Meu pai, após ter lido uma coluna do Paulo Sant`Ana (escritor gaúcho) sobre a arte de esperar, chamou a atenção, em roda de amigos, sobre aquele assunto. Era um churrasco composto em sua maioria por pessoas com mais de 50 anos, meus avós que se aproximam dos 80 anos e eu com meus 25. O clima era agradável, típico de um domingo em família. Tinha cheiro de infância. Meu pai comentava as palavras de Sant`Ana. Falava que esperamos por tudo. Esperamos a fila do banco, o pagar da hipoteca da casa, a promoção do emprego, a vinda dos filhos, mas não esperamos por uma coisa, a velhice. Ela te surpreende no momento em que as primeiras dores vêm e insistem em ficar, a dificuldade do locomover-se lhe aflige ao sair de um carro, as doenças já se fazem vizinhas próximas, etc.
Bem e se não pensamos na velhice quiçá na morte. Só pensamos realmente em “pendurar as chuteiras” na medida em que estamos mais próximos a esse rito de passagem, quando estamos já envelhecendo. Também pudera, é a ordem natural das coisas (!) – pensava eu. No entanto, talvez um dia, não ache mais tão natural, pois ali estará a dona morte circundando meu quintal. Talvez um dia, com as faces enrugadas, olhe aquela capa preta e diga: “Natural é o cacete! Se mande desta casa e não me perturbe mais”. Ainda estou na tranqüilidade da juventude, ainda não me é conhecida essa sensação de que tanto falam, muito longe para julgar, mesmo que ao acaso por vezes, ela venha me espiar de perto, num dirigir embriagado, num mergulhar despreparado, ou mesmo num andar distraído...
Uma das senhoras componentes da roda foi enfática: “Vivemos para aprender a morrer. Havia um conhecido vivente de uma região rural da região, que sempre se preparou mentalmente para a morte. – imagino que nem tão “sempre” assim – Quando num belo dia de sol, com toda a família reunida, após terem matado um porco e já guardado a carne, o velho senhor se pronunciou aos filhos dizendo que iria descansar. Foi dormir e faleceu naquele dia como havia dito que gostaria de morrer.” Pensei com certa aflição: “que triste perspectiva desta vida. Dedicar os dias a refletir como morrer quando esta  passagem só se dá uma vez e a vida se dá todos os dias”.
Não bastava, outrem complementou: “A cada dia, morremos um dia.” Pensei “a velha história do copo meio cheio e meio vazio”.
Minhas convicções naqueles dias eram de que deveríamos enxergar a vida através de suas melhores perspectivas. Se a vida nos é dada, qual melhor forma de recebê-la senão vivendo-a e não “morrendo-a”. Ora bolas, fui dormir.
Mas não conseguia fechar os olhos naquela noite. A morte foi já foi tão evitada por outras vezes e agora não conseguia parar de pensá-la. Afinal qual era o problema de pensar numa outra perspectiva? O pensar na morte não me mataria, por ora... não necessariamente se tornaria algo pétreo.
Veja você, caro leitor fadigado com tantos causos, se a morte não parece mais amena da forma que segue. Proponha-se o seguinte: viveríamos da mesma forma se enxergássemos a vida com os olhos de quem enxerga a morte de perto?
Pensemos mais profundamente sobre esta situação hipotética. Imaginemo-nos em nosso leito de morte ainda com nossas faculdades mentais intactas. O que neste momento estaríamos pensando sobre nossas vidas?
Estaríamos pensando em uns mil réis a mais ou a menos na conta bancária? Ou nos beijos a mais ou a menos que demos no nosso bem amado? Pensaríamos no tipo de carro que está garagem? Ou nas lembranças de nossos filhos jogando pingue-pongue ali mesmo? Pensaríamos nas vinganças as nossas desavenças? Ou no cativar dos sorrisos tão prontos de nossos amores?  Gostaríamos de ter brindado a morte de inimigos a exemplo de Afegãos e Americanos?  Ou ter celebrado gols de placa do Brasil contra a Argentina? Amor ou ódio? Lembranças ou bens?

É aí que aquela frase “morremos a cada dia” passa a fazer mais sentido, pois se morremos a cada dia, que possamos dar o melhor sentido a nossas vidas, a cada dia. Que vocês possam achar assim, cada um do seu jeito, um modo mais sábio de se viver. Segue em versos então, o meu repensar da morte, um repensar da  vida:

Penso em mim morrendo
Sentindo o sol bater morno em meu rosto
Cheirando o aroma de terra molhada
Lavando as mãos em água limpa da fonte
Ouvindo gritos de brincadeiras não guardadas
Afagado por olhos iluminados de amor
Tudo muito claro e brilhante
A vida andante
Que vem a minha morte alegrar...



Fernando Wolf

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