Era um bebê franzino, frágil de dar medo ao tocar. Nascera
num dia de domingo, em uma cidade do interior, calma e pacata. Era prematuro,
desnudo das armas fisiológicas que o tempo mais que depressa insistiu em lhe
privar. A tragédia iminente preocupava a pediatra que, carente dos recursos
senão os de sua arte, não saia do lado daquele menino ainda sem nome. Sim era um
menino! Com um futuro nome, uma futura namorada, uma futura família, um futuro
respirar... Mas naquele momento, o seu presente era a única coisa que realmente
importava a todos ao seu lado.
Sua respiração era superficial e ruidosa. Se pudéssemos,
daríamos o nosso próprio fôlego para acalmar aquele inspirar agônico. Era só
uma vontade.
Nossos destinos se conectaram quando meu telefone tocou pela
manhã e uma voz com pressa alertou-me de que haveria uma criança que só teria
vaga em um serviço com os devidos suportes a 450 km dali. A viagem duraria 5
horas. Acordei ainda meio cansado de um plantão que acabara de fazer. Tomei um banho
e comi qualquer coisa. A ambulância veio às pressas me buscar.
No meio do caminho conferi os equipamentos necessários, pensando
nas eventuais e piores tragédias que poderiam transcorrer naquele caso. No
hospital todos nos aguardavam e logo já apontaram onde ficava maternidade.
Vi aquele recém-nascido respirando por sua vida em uma
campânula de oxigênio. Pensava: será ele capaz de suportar uma viagem tão
longa? A angústia tornava a atacar os meus brios. A pediatra apreensiva já me
passava suas recomendações e exames. Enquanto isso, preparávamos o bebê na sua incubadora.
A ambulância seguiu em disparada, respeitando as curvas para
o conforto do pequeno paciente. Ali meu coração palpitava junto a cada mudança
dos sinais vitais do recém-nascido.
Por hora, achei que fosse necessário o suporte com
aparelhos, mas logo a criança voltava a dar sinais de estabilidade.
Num destes momentos de maior apreensão, não sei bem o
porquê, lembrei-me de uma estória. Fora contada por um belo ser ao qual chamo
de pai. Ele capinava um canteiro de macegas e flores velhas. Queria revitalizar
a beleza daquele pedaço de terra. Jogara tudo num terreno baldio com seu balde
e cansado deixou-o de lado e fora tomar água. Dias mais tarde – contava-me com
surpresa – avistara ao mesmo balde, agora já com água da chuva. Ali, uma
pequena plantinha com raízes, botava-se em tímidas e ao mesmo tempo imponentes
flores. Era como se ela dissesse: “Olhem! Eu ainda tenho vida em mim, eu ainda
resisto e mostro-me bela como cada dia deve o ser. Tenho o fio que separa a
vida da morte em meu peito, mas enquanto puder escolher, eu escolho viver!”
Inevitável era sentir a vontade de viver daquela criança tal
qual a flor que brindava a vida com a água da chuva. Mentalizei a força que a
vida é capaz de ter e rezei por aquela criança. O menino, após as cinco horas
de incertezas, resistira e chegara bem ao seu destino naquele dia. Lá pôde
ganhar o devido cuidado para suportar a sua fragilidade. O dever daquele dia
fora cumprido.
Quanto à flor, agora ela têm o seu vaso especial. Virou uma
espécie de símbolo que vou demorar a esquecer. A flor da vida, que iluminara
aquele dia, mostrou que o amor tem o poder de semear o cuidado a quem quer
simplesmente viver...
Fica aqui uma homenagem aos pediatras, enfermeiros,
motoristas, funcionários e a todos outros anônimos jardineiros da vida.
Fernando Wolf
Pintura de Claude Monet